terça-feira, 25 de novembro de 2014

MANIFESTO SITUACIONISTA

A criação de um estilo de vida inaugura a abolição da
sociedade mercantil por uma Sociedade que exalta a Vida.


O primeiro território a libertar é o nosso próprio corpo. Desde há
séculos que a escolha dos Homens para se oporem a uma irreprimível
aspiração à felicidade não provém de qualquer fatalidade divina ou natural.
A tendência para servir o que nos mata foi ancorada em nós por um
conjunto de mecanismos que comandam o ser vivo, assestando-lhe um
sistema de sobrevivência fundado na exploração do Homem e da Natureza.
O ódio e o desprezo que o homem alimenta, tantas e tantas vezes,
para com ele próprio e para com os seus semelhantes, revelam quanto a
inumanidade é o verdadeiro mal-estar da nossa civilização. As nossas
sociedades estão doentes da barbárie que paga os interesses da opulência
financeira

.
É preciso repeti-lo até que evidência nos entre nos olhos adentro: a
nossa única riqueza é a VIDA, um Vida continuamente afinada pelo
progresso da sensibilidade e da inteligência humana. Ela é-nos dada sem
reservas, sem contrapartidas. Não temos de a sacrificar, nem de a
reembolsar pelo preço corrente do infortúnio. O nosso combate já não
consiste em como sobreviver numa Sociedade de predadores, mas em
como viver por entre Sêres vivos.

Em cada um de nós há uma alegria de viver que o peso das
obrigações e das contrariedades transforma rapidamente em reflexo de
morte.Daí que a radicalidade de Maio de 68 assenta essencialmente na
recusa do “Homem Economizado” e na consciência de que é possivel
outra vida, outra sociedade, outro Mundo. Ela revelou que, abandonando a
escravatura do trabalho, surgia e erguia-se o “Homem do Desejo”, o
homem do grande desejo de vida. Ela trouxe à luz o conflito que urdirá
doravante todos os outros, a Inssurreição da Sociedade que exalta a
Vida contra a Sociedade Mercantil.

O ser humano não é nem uma presa nem um predador.
Assegurar a primazia da Vida sobre a economia é opor um «Não» firme e
definitivo a todas as formas predatórias, aprendendo a viver em vez de
aprender a matar, reprimir e explorar.
Nada é mais importante do que nos precavermos, e assim as
crianças, contra a manipulação dos seres vivos pela economia. É bom
insistir sobre a importância de um ensino que quebre o ciclo vicioso do
recalcamento e do extravasamento dos instintos reprimidos, da tirânia e do
laxismo, do mérito e do desmérito, do desperzo por si e pelos outros. A
verdadeira segurança da existência começa onde acaba a lei do mais forte e
do mais esperto.

Queremos criar um estilo de vida que priviligie em todas as
idades os jogos de aprendizagem, a criatividade, a emulação, a
curiosidade, a imaginação, a paixão pela descoberta, a abertura para
consigo e para com os outros, o despertar do corpo enquanto território de
prazer, a invenção do maravilhoso, passando desta forma a certidão de
óbito ao fetichismo do dinheiro, ao trabalho, à cupidez, à ganância pelo
poder, aos arranjinhos, à manipulação/competição, à concorrência, à
agressividade, ao entrincheiramento do carácter, à ostentação, à exclusão, à
culpabilidade, ao sacrificio, à dependência, ao clientelismo, ao gregarismo,
à identificação a um clã ou a uma imagem de marca.

Em Psicologia de Massas do fascismo,Wilhelm Reich
mostrou-nos a que ponto, ao bloquear as pulsões do corpo e ao impedir o
seu reconhecimento, a carapaça do carácter provocava um extravasamento
destruidor, uma peste emocional, cujas devastações se exercem em toda a
parte onde as descriminações religiosas e ideológicas, lhes proporcionarem
a presa.

O que leva as multidões abandonadas ao ressentimento
de uma existência sem alegria a aderir aos demagogos mais grotescos da
xenofobia e do proteccionismo é o facto de eles terem o bom senso de
macaquear, sem cosmética e com o descaramento do cinismo, a conduta
que a maioria dos politicos e dos responsáveis sindicais se esforçam por
dissimular ou mascarar sob os protestos humanistas, prontos que estão a
ser eleitos e se arrogarem a um poder, encorajar o clientelismo, apostar no
medo e no desalento e enaltecer as mais ignobéis reacções ditadas pelo
desejo ressabiado, pela cobiça, pela vingança e pelo ódio.
Da estrema-esquerda à extrema direita, os tribunos e os
tecnocratas da politica especializada rebatem a mesma matilha uivante
com o mesmo desprezo pela Vida que trazem dentro deles e que reprimem.
E quando dos mais néscios se pretende embebido de generosidade, esta é
logo desmentida oela sua atitude empertigada, pela sua rigidez, pela sua
inépsia, não direi a desfrutar a vida, mas a lutar pela propagação da
apetência pela felicidade individual que engendre uma felicidade colectiva
O que o sistema das negociatas mais teme é o Homem que se descobre
Humano e deseja fazer do usufruto de si mesmo o fundamento da sua
existência.

Os oprimidos sempre foram venvidos pelas armas que
ofereciam os opressores. O reino da cupidez e da ganância pelo poder, do
desespero existêncial, do ódio, do ressentimento, nada tem a temer de
insurrectos permeáveis aos vírus que ele enxameia.
Não colocaremos a comunidade ao serviço do individuo
se não se emanar de cada um dos seus membros uma vontade de
redercobrir o seu corpo, emancipando-o e fazendo dele um local de prazer
criativo.

Todos os horrores espalhados pelo mundo nascem de
um corpo arrancado ao desejo de viver por uma economia que o explora e
desvirtua. Claro que o facto da reconciliação de cada um com o seu corpo,
de previligiar o espaço e o tempo de desejo, só por si não quebram o jugo
da sociedade mercantil. Em compensação, digo que sem a consciência e o
desejo de uma felicidade individual, à qual cada um aspira, enquanto, ao
mesmo tempo, a recusa, não haverá felicidade colectiva, pois o mundo
continuará a exprimir o que subsiste em nós de mais inumano.Não é
permanecendo tolhido pelos mecanismos que a economia impõe aos
nossos comportamentos que oporemos o paciente ordenamento do vivente
ao caos e ao absurdo da Sociedade Mercantil.

O ser humano não é anjo nem besta, acoplados desde
há séculos para percorrer as vias da apropriação e do espírito predador
através das fronteiras indistintas de uma ética versátil. Acabar com o corpo
separado dos seus impulsos vitais e votado a extravasar-se na violência
suicida significa aprender a aceitar as pulsões animais desde a mais tenra
idade, não para as saciar, mas para as afinar e humanizar.

Reforçar em toda a parte a vontade de viver e
apostar na sua violência em vez de apostar do reflexo da morte, tal é o
critério e a garantia de um verdadeiro progresso humano. A perspectiva
agressiva não faz mais que avivar as feridas da sensibilidade, de onde
escorrem a barbárie e o cortejo macabro das dores suportadas e infligidas.
Não se trata de proibir o que nos proíbe de viver, trata-se de fortificar o
potencial de vida que existe em nós, de restaurar essa energia pela vida que
a civilização do ter corrompeu durante milénios.
Para fazer a felicidade uma prática quotidiana,
precisamos menos audácia do que de uma irreprimivel confiança nas
nossas próprias riquezas. O criador que dorme em cada um de nós aspira
secretamente a libertar-se da opinião, veiculada de geração em geração
pelas religiões e pelas ideologias, segundo a qual o homem é uma criatura
débil, incapaz de empreeder e apoiar seja o que for que não a torne mais
ainda mais miserável.

Aferroada na quotidiana maldição com que a
subjuga a economia dominante, a felicidade é certamente o pendor mais
natural e, por conseguinte, o mais fácil de reinvidicar e de perfazer, mas
oferece-nos o privilégio de nunca matar. A sua obstinação em recuar
apenas quando é preciso encontra um melhor apoio, desenha as linhas de
uma força irreprimivel e fortifica a própria violência de uma VIDA que,
uma vez dedicada à sua própria criação, alcança uma tal paixão, que desfaz
o laço da morte e abandona os poderes de destruição à sua dissolução
espontânea.

Demonstrando até que ponto detinha o segredo de
salvaguardar o fermento da vida a renascer para além da glaciação dos
séculos, quando perguntaram a Étienne de La Boétie:« Devemos armar-nos
para abater o tirano?», este forneceu aos seus comtemporâneos uma
resposta à qual eles não podiam subscrever sem a aplicar
imediatamente:«De forma alguma. Não quero que o empurrem ou abanem.
Quero, apenas, que o deixem de apoiar! Então vê-lo-eis, como um grande
colosso a quem retiraram o pedestal, cair e quebrar-se, arrastando o seu
prõprio peso.»

F I M