quinta-feira, 4 de agosto de 2016

O Abismo cá dentro de Duarte Vitória






O abismo cá dentro - sobre o trabalho de Duarte Vitória

As figuras de Duarte Vitória estão invariavelmente acossadas. Intensas, manifestam uma ferocidade, por vezes também agredida, que nos cria a impressão de observar jaulas humanas, espaços de constranger movimentos
. De algum modo, as figuras que vemos ameaçam-nos, como se pudessem ser atiçadas sobre nós iguais a bichos famintos. As telas, que de facto são jaulas, proporcionam-nos a segurança possível para o espectáculo, algo da dimensão da bizarria, como um circo humano de uma tremenda força exposto numa perigosa brancura que apenas serve para sublinhar a suspeita do sangue, a sua velocidade urgente, o acentuado do fôlego.


A arte de Duarte Vitória é um estudo do extremo da fisicalidade. Interessa-se pelo quase aberrante do gesto, à procura, como um coreógrafo exigente, de um movimento inusitado ou menos perceptível na nossa leitura quotidiana. Não que precise de atletas para a performance das suas composições, muito ao contrário, o extremo da fisicalidade acontece como condição universal, aquilo que sem nos darmos conta se instala, exactamente como a angústia que nos acossa ou a ferocidade. Somos todos animais capazes do descontrolo ou do abandono. Diria que as figuras deste artista, capturadas na imagem mais do que simplesmente retratadas, sucumbem à natureza. Afinal, no zoológico humano, as condutas não se mascaram, tornam-se genuínas.


O efeito inevitável deste trabalho é de uma sensualidade incrível, quero dizer, uma sensualidade que pertence ao corpo mesmo quando este se tem perplexo, confuso, sujo, quase desconhecido.
O corpo é exposto na sua plenitude. Creio que essa é uma das características mais prementes da arte de Duarte Vitória, o corpo explorado num sentido de plenitude. Por isso nos parece tão urgente. Um corpo urgente, sem filtros, espremido de encontro à tela como se quase nos tangesse, a nós, que usamos os olhos como capazes de tacto na brilhante sugestão de presença criada. (…)

Ao ver os quadros de Duarte Vitória, no profundo significado do que vemos, devemos colocar um relâmpago. Um estilhaço gigante de luz que se acenda no interior do corpo a transparecer fugazmente. Afinal, para visão breve do abismo cá dentro. A única arte é sempre um caminho em profundidade.



Valter Hugo Mãe 




















Reportagem de António Pereira