Cali DeWitt |
1- ACELERAÇÃO
A ideia de aceleração da História foi desenvolvida pelo historiador alemão Reinhard Koselleck, que inscreveu a questão da aceleração na questão mais geral mais geral daquilo que é considerado o tempo histórico. A aceleração como verdadeiro motor da história moderna ganhou uma grande evidência no nosso tempo.
O sociólogo alemão Hartmut Rosa, um herdeiro da teoria crítica da Escola de Frankfurt, é o autor de uma teoria da«aceleração social», desenvolvida num importante livro sobre o Diktat da aceleração em todos os domínios da vida social, transformando a nossa relação com o tempo e todo o nosso regime espacio-temporal. A aceleração do ritmo de vida, que já tinha sido analisada por Simmel no inicio de século XX, foi exacerbada no nosso tempo. Uma das manifestações actuais dos imperativos de aceleração, prende-se com o modo, como avaliamos, pelo critério de velocidade, a eficácia da Internet. Hartmut Rosa chega assim à ideia de aceleração como nova forma de totalitarismo, na medida em que nada escapa aos seus efeitos. Temos assim a par da aceleração social e da aceleração técnica, a aceleração do mundo político, onde a reacção passou a triunfar sobre acção.. Também a questão actual da dívida (da economia que«fabrica»o Homem endividado e seus respectivos países) está relacionado com a lógica capitalista da aceleração: uma força coerciva obriga-nos a avançar em grande velocidade e a gastar grandes porções de futuro pelas quais pagamos juros. É, como um ciclista, temos de continuar a pedalar para não cairmos. A experiência da aceleração a que foi sujeito o Mundo da Revolução Industrial, com todos os seus progressos técnicos, conheceu na nossa época, com a Revolução Digital, uma nova fase: a aceleração (da informação, das trocas, das comunicações, das ideias, do dinheiro, do estilo de vida, de tudo) tornou-se sinônimo da Capital, sendo apenas ela, e, por consequência, este último a fornecer-nos uma representação do tempo. Entrou de tal forma na nossa consciência que até campos que lhe pareciam imunes - a tradição de esquerda, que fez crítica à ideologia de "Progresso" um dos maiores motivos do século XX - capitularam, não conseguindo pensar num futuro que não encontre na aceleração a sua condição.
2- ANTROPOCENO
No México, em 2000, numa conferência internacional sobre a biosfera e geosfera surgiu uma grande palavra deste inicio de século: Antropoceno. Termo, proposto por Paul Crutzen, um cientista holandês da química atmosférica, premiado com o Nobel e conhecido pelos seus estudo sobre a camada de ozono e as mudanças climatéricas. O seu grande sucesso ficou conhecido quando publicou um artigo na revista Nature,«Geology of Mankind», onde usava de novo o termo Antropoceno para designar a nova era geológica em que a acção humana humana sobre a Terra superou as forças naturais, fazendo sair o sistema terrestre do seu equilíbrio e deslocando-o bruscamente numa direcção imprevisível. As mudanças climáticas são a manifestação evidente, mas não única, desta nova era. Segundo Crutzen, o Antropoceno começou com a Revolução Industrial, a máquina a vapor e os combustíveis fosseis, permitindo ao Homem elevar-se a um lugar de dominação geral. A acção humana que submeteu a Terra a um estado que não tem paralelo com nada anterior chegou a um ponto em que a humanidade ganhou consciência de que o seu futuro está ameaçado. A questão do Antropoceno rompeu o espaço estritamente cientifico onde nasceu e, na medida que está ligado ao capitalismo (Primeiro o capitalismo industrial, depois o capitalismo da automatização informática). à antiga relação do Homem com a Natureza- entendida na sua impassibilidade, como algo dado, que cumpria ao homem modificar-. Construída a partir da Geologia, esta teoria do Antropoceno corresponde a uma grande força geológica capaz de destruir o planeta, ou torná-lo inabitável para grande parte dos seus membros. O Antropoceno nas suas manifestações de extinção em massa; acidificação dos oceanos e aumento da temperatura, encontra-se, tanto na sua gênese como nos seus efeitos, a uma diferença abissal do sonho «Prometeico» do século XIX de domínio da natureza. Não é por acaso, aliás, que na debatida questão sobre o inicio do Antropoceno, Paul Crutzen refira a data de 1784, o ano em que James Watt patenteia o comboio a vapor, como o fim do Holoceno e o inicio do Antropoceno. Ao ligar, deste forma, uma época geológica ao início da Revolução Industrial, Crutzen estabelece uma relação indissolúvel entre o Antropoceno e o Capitalismo - Capitaloceno -, novo termo para designar esta nova era geológica. Da mesma forma, o Anthopos é menos a espécie humana que uma força monstruosa pronta a arrastar o planeta para a sua inadaptabilidade. Algo como uma inversão começa a fazer-se sentir: no momento em que o sonho do domínio da natureza parecia pronto a cumprir-se, é esta em modalidades míticas- em toda a sua fúria e terror. A isto terá de se acrescentar uma regressão: são as necessidades de sobrevivência- a água doce, por exemplo-, algo semelhante ao inicio da espécie, que se encontram em perigo e em vias de se tornar objecto de disputas.
3 - CATÁSTROFE
Um site italiano de pesquisa dedicado a territórios sobre os quais se abateram catástrofes, o historiador francês François Hartog estabelece uma importante distinção entre, por um lado, o Apocalipse que se baseia na tradição judaica, e, por outro, a catástrofe como modo contemporâneo, o nosso tempo. pode-se acentuar uma retirada de qualquer vestígio da tradição da tradição apocalíptica e, por outro lado, o síndrome de uma catástrofe que foi declarada permanente, como se o famoso dito, segundo o qual é mais fácil imaginar o fim de Mundo do que o fim do capitalismo. Se o Apocalipse se insere num âmbito teológico, havendo nele uma relação com verdade do tempo- é, de facto, o momento em que esta se revela-, a catástrofe encontra a sua genealogia numa outra tradição mais recente, aquela da pequena burguesia que nasce com a modernidade e que, contra o Apocalipse lança a catástrofe como relação privilegiada com o tempo e o espaço. A catástrofe tem uma ligação privilegiada com a natureza: corresponde a algo que se abate sobre nós, algo face ao qual nada podemos fazer e que é, em última análise, desprovido de sentido. o catastrofismo contemporâneo compreende todo o tipo de ocorrências; naturais e ecológicas, terroristas, políticas, económicas. Aquilo a que Ulrich Beck definiu como sociedade de risco é uma sociedade da catástrofe, i.e., uma sociedade em que a catástrofe faz parte do nosso quotidiano. É verdade que a banalização do catastrofismo ( o efeito de dramatização dos acontecimentos) é uma construção dos Média,,algo de que os jornais e a televisão falam todos os dias, é um elemento fundamental da Biopolítica contemporânea. Esta procura pôr em acção todos os instrumentos de prevenção para anular ou reduzir os impactos nas populações. Assim, a par do fantasma da imunidade total, temos o ressurgimento de uma problemática catastrófica enquanto manifestação eloquente de uma angústia perante os novos tempos que veio substituir o optimismo iluminista e a crença do progresso. Uma época e uma cultura que produziram uma teoria de catástrofes, um método universal para a análise das transições bruscas, das descontinuidades, das interrupções desastrosas e todo a problemática em seu torno.
LAZER/ TRABALHO
Num dos seus textos maiores, Hannah Arent sublinha um dos sonhos modernos que, tendo em conta a revolução tecnológica, seria facilmente atingido em poucas décadas: uma sociedade de trabalhadores sem trabalho. É certo que logo acrescenta; mas nada há de confortável numa sociedade de trabalhadores que, já nada sabendo do ócio nem tendo nada em que empregar o seu tempo, recairia no que chama de «biológico», de tempo repetitivo e sem sentido. Este eterno presente, que a teologia pensou como inferno, encontra a sua forma acabada numa sociedade onde o anuncio do fim do trabalho não é a realização de uma utopia, mas uma actualização perversa do sonho modernista, em que uma sociedade sem trabalho corresponde ao carácter supérfluo de grande parte dos seus membros.Já não se trata, de facto, do exército de reserva que preenchia ainda uma função dentro ad economia geral ao pressionar para baixo, nem de lumpen,que ganhou uma a dada altura uma aura de exterioridade ao capitalismo, mas de mercadorias excedentárias que nada servem. A condição paradoxal dos novos tempos pode ser definida desta maneira: há cada vez menos trabalho, mas quem o tem trabalha cada vez mais. De tal modo, que o tempo de lazer é cada vez mais curto e cada vez mais programado precisamente em função do trabalho. O tempo de lazer é o «tempo livre», subtraído ao tempo de trabalho e, portanto só pode sr definido em relação a este. O lazer não é uma retirada do Mundo e das determinações do trabalho, mas um modo de recuperar forças para o trabalho. O fenômeno contemporâneo do turismo está ligado a uma lógica que se apoderou do lazer, que passa a ser programada e vendido em kits. Há uma próspera industria do lazer que se tornou tão coerciva como o trabalho. Quanto ao ócio( ainda se ouvem os ecos do otium latino), esse, o ócio foi de culto por parte daqueles que não entendiam a sua« obra» como trabalho, no sentido em reclamavam uma autonomia e uma liberdade que não eram compatíveis com a ideia moderna de trabalho. o ócio não é programável nem é um tempo de recuperação e de investimento do ponto de vista de uma economia produtiva.
PRESENTISMO
Em A ideias de prosa, Giorgio Agamben prescreveu ao nosso tempo aquilo que considera ser o único título de nobreza que pode legitimamente reivindicar: «o de não querer seriá uma época histórica»- algo que se confirma, aliás,pela ânsia de categorização histórica que sofremos, pela tendência em escandir o tempo histórico em período cada vez mais pequenos; a nossa relação com o tempo já não conhece outro regime que não seja o curto tempo. A esta particular e paradoxa configuração epocal, François Hartog, historiador francês, chamou de «presentismo». Este nome designa o actual«regime de historicidade» (Hartog) em que o presente triunfa completamente sobre o passado e o futuro- veja-se o fenômeno das «selfies» e o presentismo das pessoas nos mais variados ambientes-.Este regime de historicidade substituiu aquele que, segundo Hartog, vigorou desde o século XVIII até uma boa parte do século XX e estava virado para uma ideia de futuro, que, entretanto se extinguiu. O presentismo da nossa época é uma espécie de presente totalitário, omnipresente, que não conhece nenhum outro horizonte possível. Este regime em que tudo é absorvido pelo imediato dá lugar, segundo Hartog, a um« novo catastrofismo que já não é o apocalipse tradicional, mas formas de apocalipses "desapocaliptizados"».Deste presente auto suficiente retirou-se toda a tarefa messiânica. O seu mecanismo tem a capacidade de transformar todo e qualquer acontecimento, por mais ínfimo que seja, na sua própria comemoração. Seja um acontecimento como o 11 de setembro, em que no preciso momento em que acontece é já história, seja o mais ínfimo acontecimento da vida pessoal, tudo recai sob o âmbito da história a partir do momento que acontece. De tal modo que é o próprio conceito de história que sofre um grande abalo. E daí que a memória se tenha tornado um conceito historiográfico importante.
REDES
Em 1993 dá-se uma inovação«disruptiva», um abalo com efeito de ruptura de tão vasto alcance que só pouco a pouco foi possível medir e perceber o que estava a acontecer. Nesse ano, a Internet tornou-se possível ao Mundo e iniciou-se o processo de reticulação digital à escala planetária. A noção de «rede» tornou-se a chave mágica e capital de uma compreensão do Mundo em que vivemos. A interconexão generalizada e permanente, à qual correspondeu uma revolução das tecnologias da informação e da comunicação, veio dar um novo sentido sentido ao que se tinha chamado de »globalização»: mais do que uma internacionalização das trocas econômicas, politicas e sociais, a globalização é agora uma estruturação do Mundo em rede. E uma nova civilização começou a erguer-se a uma velocidade inaudita diante de nós e penetrou bem dentro de nós. Com as redes, todas as regras do jogo político, sócio-econômico e cultural foram profundamente afectadas ou mesmo desintegradas. Uma rede sem centros e sem diferenciação do espaço e do tempo constitui um corte com todas as experiências anteriores. Mesmo aquelas que designamos como«redes sociais» nada têm a ver com o que caracterizou até agora o social e, definidas por antigos critérios, poderíamos mesmo dizer que são anti sociais. O imenso caudal de reflexões teóricas e análise de dados que têm por objecto a Internet mostra que esta suscita visões contraditórias: por uma lado, ela é portadora de um imaginário de emancipação e acesso livre e generalizado ao saber e à informação; por outro trás consigo o lado mais negro da barbárie tecnológica. Não basta dizer, utilizando a linguagem de Marcel Mauss, que a rede significou um facto antropológico total. É algo mais do que isso: a nossa condição de indivíduos permanentemente conectados, determinou a viragem para uma antropologia do artificial e para uma condição pós humana. Estar ligado à rede, em permanência, significa também ser continuamente interrompido e entrar no regime da comunicação desconexa e fragmentada. A economia e a ecologia da atenção atenção tornaram-se, assim, questões maiores do nosso tempo. Mas as mais visíveis transformações radicais operadas pela rede são as do próprio sistema capitalista: nas modificações das formas de trabalho, nas metamorfoses do poder( não apenas o poder político, mas todo aquele que é hoje inerente a uma sociedade de controle)e, muito especialmente, num aumento colossal de mercadorias cada vez mais imateriais.
Por António Pereira em Dezembro de 2019. Imagens gráficas de Cali Dewitt. Este trabalho não segue o Acordo Ortográfico.
F I M